PSOL

Caso Cunha = Caso Renan?

Se Eduardo Cunha foi afastado pelo STF, Renan Calheiros também não deveria ser?

De acordo com a Constituição e as Leis, eles deveriam ter sido suspensos afinal?

Não sei exatamente. E deu um trabalhão juntar todas as referências para fazer essa comparação… Então, vejamos. Primeiro a ordem dos fatos, depois vou tentar ver o que a Constituição e as Leis determinam em cada caso.

O CASO CUNHA

2015, 9 de Março – aberto o primeiro inquérito no STF contra Eduardo Cunha (Inquérito 3983).

2015, 20 de Agosto – a PGR oferece a denúncia ao STF contra Eduardo Cunha no Inquérito nº 3983.

2015, 13 de Outubro – os partidos PSOL e REDE, protocolaram o pedido de cassação do mandato de Eduardo Cunha. O principal motivo (dos inúmeros) era Cunha ter mentido sobre a existência das tais contas na Suíça.

2015, 15 de Outubro – aberto o segundo inquérito contra Eduardo Cunha (Inquérito 4146), inquérito proposto pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, com base nas provas de que Eduardo Cunha tinha contas na Suíça. Neste mesmo dia foi protocolado um novo pedido de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff elaborado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal, uma revisão do pedido de impeachment originalmente protocolado por eles em Setembro de 2015.

2015, 2 de Dezembro – a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação do mandato do Dep. Eduardo Cunha na reunião da Comissão de Ética da Câmara prevista para o dia 8 de Dezembro de 2015.

Ainda no dia 2 de Dezembro de 2015, o Dep. Eduardo Cunha aceita o pedido de impeachment contra a Presidenta Dilma Rousseff de um pedido de impeachment protocolado 1 mês e meio antes (uma evidente retaliação, a meu ver).

2015, 16 de Dezembro – a PGR protocola a Ação Cautelar (AC nº 4070) no STF, a requerimento do PSOL e REDE, que pede a imediata suspensão do mandato do Dep. Eduardo Cunha e consequentemente sua suspensão da Presidência da Câmara. O pedido de urgência foi fundamentado resumidamente por 11 motivos, praticamente todos envolvendo manobras do Dep. Eduardo Cunha para tumultuar todos os processos que responde tanto de cassação na Comissão de Ética da Câmara como nos Inquéritos do STF.

Cabe lembrar que Eduardo Cunha é conhecido por ser o “Rei da Manobra” no Congresso, utilizando de qualquer subterfúgio para reverter decisões que fossem contra seus próprios interesses, como nos casos das votações sobre a Redução da Maioridade Penal, do Financiamento Empresarial de Campanha (Mini Reforma Política) e até o Conselho de Ética.

2016, 3 de Março – o STF aceita a denúncia no Inquérito nº 3983 e Eduardo Cunha vira réu.

2016, 7 de Março – a PGR oferece a denúncia ao STF no Inquérito nº 4146.

2016, 3 de Maio -o partido REDE, representado por ninguém menos que o Prof.  Daniel Sarmento de Direito Constitucional da UERJ, apresenta a Arguição de Descuprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 402). Nesta ação pretende-se seja declarada a impossibilidade de cidadão que esteja na posição de réu em ação penal ocupe cargos na linha sucessória da Presidência da República, principalmente com base no Art. 86, § 1º, I, da Constitutição. Esta ação é proposta, a meu ver, com 2 objetivos: um, fazer tal impeditivo valer para qualquer cidadão (dar efeito erga omnes e vinculante); e dois, visto que o Min. Teori Zavascki ainda não havia decidido sobre a cautelar proposta 16 de Dezembro de 2015, uma manobra jurídica para fazer novo pedido pela suspensão imediata de Eduardo Cunha como Presidente da Câmara (mas não do mandato de Deputado).

2016, 5 de Maio – quase 6 meses depois, o Tribunal Pleno do STF decide, finalmente, na AC 4070, pela imediata suspensão do mandato de Eduardo Cunha como também da Presidência da Câmara. Como a ADPF 402, de relatoria do Min. Marco Aurélio, fora pautada para este dia, o Min. Teori se viu obrigado a acelerar a decisão no seu processo, já que a mesma decisão poderia ser tomada antes em outro processo posterior ao seu.

2016, 22 de Junho – o STF aceita a denúncia no Inquérito nº 4146 e Eduardo Cunha vira réu novamente.

2016, 13 de Setembro – a Câmara cassa o mandato de Eduardo Cunha.

Uma ação, ou medida, cautelar tem 2 requisitos essenciais que são a plausibilidade do direito invocado e o perigo na demora (CPC/73, Art. 273, inciso I e CPC/2015, Art. 300 e ss). A cautelar é uma regra de exceção ao princípio constitucional do contraditório, ou seja, é um pedido para que o Poder Judiciário defira uma medida de urgência sem que a outra parte seja ouvida (sem a possibilidade de defesa prévia). Por isso o deferimento da medida tem que estar fundado nos 2 requisitos acima.

plausibilidade do direito invocado quer dizer que todos os elementos de direito postos, as provas e os demais indícios levam a crer, em análise de caráter sumário e preliminar, que as alegações do autor têm forte amparo e grande possibilidade de serem deferidas ao final do processo.

perigo na demora significa que o direito que o autor pretende ver protegido pode perecer e o dano ser irreparável caso alguma medida de urgência não seja tomada para evitar que isso aconteça. Por isso as cautelares (liminares) são encaradas como medida preventivas. Previne que o direito discutido não se perca e, em se perdendo, a ação perca o seu objeto e não seja feita a justiça.

No caso do Eduardo Cunha, a plausibilidade do direito invocado – dadas as inúmeras provas e acusações sobre ele tanto na esfera jurídica como na administrativa (Processo de Cassação) – teria justificativa razoável em pelo menos 2 das 5 possibilidades do artigo 15 da Constituição, uma futura condenação criminal ou improbidade administrativa – esta que acabou se confirmando pela sua cassação.

Bom, o perigo na demora acho que fica mais fácil ainda tentar entender a justificativa. A existência de um inquérito em andamento e a contemporaneidade do segundo inquérito, o de outubro nº 4146, com o Pedido de Cassação na Câmara, todos andando em paralelo. O resultado final de qualquer deles, se procedentes (lógico), seria a perda do mandato. Se isso não bastasse, Eduardo Cunha estava usando do Poder de Presidente da Câmara para se proteger tumultuando os processos e obstruindo a justiça – Quantas vezes ele interferiu na formação e no andamento do Conselho de Ética da Câmara? – Ou seja, se este requisito de urgência da cautelar tivesse sido obedecido em tempo razoável (pra mim, urgência é algo que se aprecia em no máximo 1 semana, não 6 meses), talvez Cunha tivesse sido cassado com mais rapidez no Conselho de Ética, o que nos pouparia das suas manobras e desmandos na Câmara. É possível que nem o impeachment tivesse seguido adiante nos livrando desse caos institucional que vivemos. Seria, portanto, mais razoável Eduardo Cunha ter sido afastado pelo pedido liminar da ADPF 402, não mais pela liminar com quase 6 meses de atraso da AC 4070.

Eduardo Cunha poderia ter sido afastado pelo Min. Teori no pedido da Ação Cautelar 4070 se deferida em tempo razoável (uma semana no máximo)?

Há quem diga que a resposta é NÃO, como o Prof. Gamil Föppel El Hireche da UFPE. Sua explicação é bem interessante, vale ler seu artigo. Vou tentar resumi-lo em 2 principais argumentos, um de ordem Constitucional e outro Processual Penal.

O Prof. Gamil afirma que o mecanismo cautelar adequado para garantir o devido andamento do processo penal seria a prisão preventiva, que, frise-se, é medida de exceção. Porém, o artigo 53, § 2º, da Constituição diz que os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos durante o mandato, salvo em flagrante de crime inafiançável; ou, lógico, depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 55, VI) – praticamente a repetição do texto da presunção de inocência do art. 5º, LVII. Podemos, então, caracterizar isso como uma espécie de “imunidade parlamentar”. 

Essa “imunidade” nos leva ao seu segundo argumento. Como não é premitida a prisão preventiva de Deputados no curso do mandato como medida cautelar, “não se poderia adotar medida substitutiva“, como a suspensão do exercício de função pública prevista no art. 319, VI, do Código de Processo Penal (novamente, recomendo a leitura do artigo do Prof. Gamil likado acima).

Entendo a explicação do Prof. Gamil, mas discordo. Me alinho mais aos fundamentos do Prof. Lenio Streck, que me parece mais coerente com a integridade do Direito. Resumidamente, a “imunidade” é uma prerrogativa do cargo para proteger a Instituição Parlamento, não do indivíduo. Então, se o indivíduo abusa dessas prerrogativas em benefício próprio justamente para obstruir o andamento de processos em que réu, a medida cautelar (art. 319, VI) se justifica como medida processual, não como medida de punição. Eis um trecho da explicação:

“Observe-se que a falta de decoro por abuso de prerrogativas é uma hipótese prevista na Constituição para perda de mandato, no artigo 55, II, e parágrafos 1º e 2º. E quem decreta a perda de mandato é a Câmara. Mas por que o STF, a quem cabe julgar o deputado por cometimento de crime (artigo 53, parágrafo 1º), não poderia aplicar uma medida cautelar para garantir o devido processo legal, no caso em que o abuso das prerrogativas parlamentares implica a própria obstrução do próprio processo de investigação e julgamento? Medida cautelar, aliás, não é antecipação de tutela, mas garantia do processo.  Afastamento cautelar não é medida punitiva, não está sequer sujeita do mesmo modo ao regime das punições. É medida processual, para garantir o processo e não se confunde com o mérito.”

Então, a resposta para a pergunta acima é: SIM.

Eduardo Cunha poderia ter sido afastado imediatamente do cargo de Deputado Federal (e da Presidência da Câmara) com base nos critérios da medida cautelar expostos acima (Art. 273, I, do Código de Processo Civil de 73 combinado com Art. 319, VI, do Código de Processo Penal).

Já que a decisão do Min. Teori foi errada, pois tarde demais, Eduardo Cunha poderia ter sido então afastado pelo Min. Marco Aurélio no pedido liminar da ADPF 402, se deferida em tempo razoável (uma semana no máximo)?

Essa resposta é mais espinhosa, há quem diga que sim outros não…

A ADPF 402 é baseada principalmente no art. 86 da Constituição, na parte que versa sobre a suspensão do Presidente da República, pelo prazo máximo de 180 dias, nos casos de crime comum.

Este artigo do Prof. Pierpaolo Bottini, com a qual concordo, tem uma explicação mais aprofundada sobre o mérito da ADPF 402.

Primeiro é necessário fazer uma diferenciação: crime comum cometido antes do mandato ou durante o mandato. Por ordem o § 4º do art. 86, o processo criminal de qualquer crime comum cometido antes do mandato é suspenso até o término deste. Ou seja, um indivíduo mesmo que seja réu em processo penal por crime cometido antes da diplomação pode exercer a Presidência da República. Depois da diplomação, o processo, e todos os prazos, ficam suspensos até o fim do mandato.

No caso dos crimes cometidos durante o mandato (Art. 86, caput), existe ainda mais uma restrição, tem que ser crime comum “relacionado ao exercício de suas funções” como Presidente. Além disso, a acusação feita tem que ser aceita por dois terços da Câmara dos Deputados para que, só então, o processo vá a julgamento no STF. Neste caso, o sujeito fica suspenso do cargo de Presidente da República por até 180 dias (Art. 86, § 2º). Decorrido o prazo, o indivíduo volta ao cargo ainda que o julgamento não tenha terminado. Ou seja, se o STF não encerrar o julgamento em 180 dias, o indivíduo-réu exercerá normalmente o cargo de Presidente da República.

O que o art. 86 da Constituição nos diz, então? Que há apenas uma possibilidade do indivíduo ser suspenso do exercício do cargo de Presidente da República: enquanto for réu em ação penal por crime commum relacionado ao exercício da função e por até 180 dias.

Ora, já que se pretende estender essa regra aos demais cargos na linha sucessória presidencial (Presidentes da Câmara, Senado e Supremo), então pelo menos os critérios deveriam ser os mesmos que os aplicados ao cargo principal, certo?

Então, a resposta para a pergunta acima é: Tenho minhas dúvidas, mas diria que NÃO.

No Caso Cunha, acredito que ainda que fosse justificável o caráter de perigo na demora da medida acautelatória, falta substância pro elemento plausibilidade do direito invocado, como tentei demonstrar acima. Afinal, posso estar errado, mas a ADPF 402 me pareceu um subterfúgio para driblar a inércia do Min. Teori Zavascki na AC 4070 e garantir por outros meios o mesmo fim.

O CASO RENAN

2007, 6 de Agosto  – foi instaurado no STF o Inquérito nº 2593 contra Renan Calheiros.

2013, 28 de Janeiro – é oferecida a Denúncia pela PGR contra Renan Calheiros no Inquérito nº 2593.

2016, 3 de Novembro – forma-se maioria de 6 votos no Pleno do STF em favor da procedência ADPF 402, mas o processo é suspenso por causa do pedido de vista do Min. Toffoli.

2016, 1º de Dezembro – quase 4 anos depois é finalmente aceita pelo STF a denúncia da PGR e Renan Calheiros finalmente vira réu.

2016, 5 de Dezembro – o Prof. Daniel Sarmento, representando o partido REDE, protocola a petição nº 69829 na ADPF 402, na qual pede a suspensão liminar do Senador Renan Calheiros como Presidente do Senado. O pedido inicial da ADPF 402 requeria o afastamento imediato do Eduardo Cunha, então réu e Presidente da Câmara: pedido que perdeu o objeto devido à decisão do Min. Teori na AC 4070. A petição 69829 alega principalmente dois argumentos: um, que, embora não concluído o julgamento, a maioria de 6 ministros já havia sido formada na corte pela procedência do pedido principal; dois, fatos supervenientes (a decisão de 1º de Dezembro, acima) colocaram outro parlamentar, Renan Calheiros, na mesma condição que Eduardo Cunha ostentava. Desta forma, com esta nova petição, reitera o pedido liminar da inicial da ADPF 402 para substituir Eduardo Cunha por Renan Calheiros e deferir a suspensão deste da Presidência do Senado.

2016, no mesmo dia: (isso é que é urgência!) o Min. Marco Aurélio acata o pedido e ordena monocraticamente (ou seja, decisão individual) que Renan Calheiros seja suspenso da Presidência do Senado. A ordem foi desobedecida, o que seria crime de desobediência (art. 330 do CP), mas isso não vem ao caso aqui.

2016, 7 de Dezembro – a decisão monocrática do Min. Marco Aurélio vai para o Tribunal Pleno onde os demais ministros decidem referendá-la parcialmente, ou seja, o Senador Renan Calheiros continua sendo Presidente do Senado, mas não mais ostenta posição na linha sucessória da Presidência da República.

Renan Calheiros poderia ter sido afastado da Presidência do Senado pelo Min. Marco Aurélio no pedido da liminar da ADPF 402?

NÃO. Por vários motivos, os principais são a fragilidade dos fundamentos que justificam o deferimento do pedido principal da APDF 402 (explicação dada anteriormente), a inexistência do caráter preventido da medida cautelar (afinal, é baseada num inquérito de mais de 9 anos atrás!), e, principalmente, porque ainda vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CRFB/88). E aqui nem estou entrando no mérito de ter sido por uma decisão de apenas um ministro.

E o STF poderia ter mantido Renan Calheiros na Presidência da Câmara, mas o tirado da linha sucessória da Presidência da República?

NÃO. Como dito aqui pelo Prof. Renato Ribeiro de Almeida, os Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo não estão na linha sucessória da Presidência da República, apenas o vice-presidente. De acordo com a Constituição esses cargos atuarão em substituição do Presidente. Essa substituição é uma sucessão precária, temporária. Ademais, a Constituição não prevê critérios tão rigorosos para o cargo de Presidente em si. Então, como permitir que este mesmo impedimento para os demais cargos na linha de sucessão ou substituição seja feito por uma interpretação ampliativa de regra constitucional restritiva? Não seria uma extrapolação desproporcional da analogia utilizada? Não me soa razoável.

Para uma leitura mais aprofundada sobre o Caso Renan Calheiros recomendo este artigo que mostra diversas posições e este do Prof. Lênio Streck.

Respondendo a pergunta do título, os casos Cunha e Calheiros não são iguais.

O primeiro deveria ter sido suspenso imediatamente do cargo de Deputado porque sua situação preenchia todos os requisitos da cautelar e da cautelar penal.

O segundo não, pois o pedido da sua suspensão é baseado numa ação ainda sem trânsito em julgado (ADPF 402), a qual é baseada em fundamentos frágeis se utilizando de interpretação ampliativa de regra restritiva e o caso não preenchia os requisitos para o deferimento de uma medida cautelar.

Assim, como disse Prof. Bottini, também acho louvável a preocupação do partido REDE com a ADPF 402, mas esta é minha opinião fazendo uma análise desta conjuntura por uma lente política.

Analisando pela lente jurídica, prezo pela estabilidade e respeito das instituições, principalmente da nossa Constituição. A coerência e integridade da nossa Constituição dependem do respeito aos limites que estabelece. Então, sou contra as alterações que se pretende com a ADPF 402 pelo caminho do Poder Judiciário, justamente por violar uma série de Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais. No Direito, os fins não podem justificar os meios.